quarta-feira, 10 de abril de 2019

TIA LAURINDA

10 de abril de 2019. Uma charmosa borboletinha entre as flores de um jardim, primavera em Portugal onde nasceu Tia Laurinda, uma das criaturas mais admiráveis e respeitáveis que já encontrei. Como meu pai, essa senhora que viveu neste planeta por mais de 90 anos, mesmo quando ninguém se preocupava com os sentimentos dos animais não humanos, por eles lutou das formas que pôde, com um genuíno e verdadeiro sentimento de compaixão. Nasceu sensível e guerreira pelos direitos dos animais, quando essa sensibilidade não encontrava nenhum eco na sociedade, quando as pessoas eram consideradas aberrações por se preocuparem com os nossos companheiros que não sabem falar nossa linguagem. Talvez ainda hoje o sejam, mas apenas pelos menos informados ou pelos imunes à compaixão. Relembrava os gritos dos porcos sendo mortos na aldeia onde viveu, que ecoavam nos seus ouvidos mesmo passados 80 anos. Falava das ovelhas de quem cuidava e que ficavam a ser as mais bonitas, nutridas pelas pastagens e pelo carinho que essa menina da aldeia lhes dedicava. Já no Brasil, numa ida à praia, deparou-se com uma galinha a ser perseguida e ameaçada por crianças e não teve dúvidas: pegou a criaturinha e a levou para sua casa dentro de uma sacola, no ônibus, pedindo à Cida, a galinha, que ficasse quieta, pois ela não era uma passageira permitida, pelo menos enquanto fosse uma galinha viva. Cida viveu feliz no quintal por mais de 10 anos. Sortuda, ganhou mesmo na loteria. Tia Laurinda não comia animais terrestres. Permitia-se apenas comer peixe e não era muito. Lembro-me dela a contar da reação das duas tartarugas que com ela viviam, da Daniela e da sua companheira que, ao verem a Tia e a Maria vestidas para um casamento, saíram "correndo", assustadas, ao seu ritmo!!! Parece que as vestimentas para o casório eram bem estranhas mesmo. Os pássaros que eram alimentados no seu quintal, às escondidas das cachorras, também sentirão sua falta. Margarida, Sílvia e Norminha estão órfãs hoje. Não irão mais procurar as nozes que a tia escondia nos armários para que elas as achassem e comessem tudo, deixando só a casca. Mas São Francisco há de cuidar para que fiquem onde estão, ao lado dos novos moradores da casa, que estiveram com a tia até os últimos momentos. Tia Laurinda foi uma mulher muito à frente do seu tempo; sempre curiosa, dizia ter pena porque achava que não teria tempo de aprender tudo o que queria. Mesmo não tendo frequentado a escola, alfabetizou-se sozinha, comprou computador, lutava bravamente para elaborar e-mails, cometia erros mas entendia-se perfeitamente o que ela queria dizer. Aprendia "truques" informáticos facilmente. Tudo o que lhe ensinavam, ela valorizava e aprendia. Foi das primeiras a ter Facebook. Determinada, frequentou a Universidade da Terceira Idade. Deu-me "procuração" para assinar qualquer abaixo assinado em prol dos animais no nome dela. Afirmava que o importante era sempre assinar, sempre tomar posição. Percebeu até que se tirasse o cabo do modem do computador, entravam menos vírus. Antes do Wi-Fi. Padeira de mão cheia, qualquer ingrediente se transformava em deliciosos pães e doces, sem regras, sem ter como explicar. Era dedicação e magia. Tudo feito com muito amor. Não estou lá agora, mas meu coração está dela muito perto, que já não me queria ver, nem comigo falar há um bom tempo, por aqueles mal entendidos que nunca poderiam ter acontecido. Ai, tia, se eu tivesse tido a chance de lhe dizer o que faço aqui na sua Terra, tudo que pretendi fazer a vida toda pelos animais, que agora tenho essa chance, que faço de coração, com imensa alegria. Não deu para contar-lhe. Resta-me homenageá-la!! Que a tia fique livre de todo o sofrimento, de toda a dor que injustamente sentiu por tanto tempo, ferida após ferida de difícil cicatrização, que ela nunca mereceu, cuja dor eu queria que nunca tivesse sentido. Único consolo que tenho no momento: Tia Laurinda não sofre mais com tantas dores. Mesmo que não o seja, fica sendo a linda borboleta a voar e se exibir. Hoje recebi mais um estímulo para continuar minha luta pelos inocentes e indefesos. Meu enorme respeito e minha enorme ternura por essa mulher tão especial! Fica em paz, voa livre, tia!! Foi fazer sempre o meu melhor pelo meu ideal que sempre foi o seu ideal também!